terça-feira, 12 de junho de 2012

Modo de produção

Severino não tinha terra
  [apesar das folhas dos cabelos
     à planta dos pés
  ter germinado nas inflorescências
    das mãos.
 seus olhos
   eram o cume das mãos.
 na janela da boca
Severino tecia uma cordilheira
 e assentava um continente
de plantação rasteira e arbustos baixos,
  inflado pelo voo grunhido das garças
 e pelas pernas plásticas dos flamingos,
         todos unidos pelas cortinas que formavam sua dentição
 amarelada pelo cachimbo,
   de nó e osso,
 enrolado na corda.
    e toda noite
  fosse dia santo
    fosse dia branco
  dia de sossego
    dia de fumo
 ele cumpria a obrigação
  de comer o fruto
 do cachimbeiro
      e esquecer o caroço,
  como a noz
 dos esquilos que habitavam
   entre as pernas
das garças.
  aguado
 pela deslembrança,
    o caroço
  era como a consciência:
  um germe
   que roi
 por dentro.
o esquilo
  roendo a noz
 achara
    o regador
  no lobo temporal da casca:
                                         chuva na memória.
    na boca da janela,
   Severino tinha um pé de feijão
    um pé de uva
    um pé de mesa
    um bonsai
 (e ficava
   mais novo
  a cada poda)
 e ficava mais velho
 a cada corda.

  Severino não tinha mais fôlego:
     seu pulmão estava enterrado
   junto com a noz
 do esquilo
   na cúpula
 do cachimbo.
  Severino não tinha terra
     só tinha húmus
   a terra estava enterrada
     no húmus
  Severino não tinha terra
     só tinha semente
   a terra estava aterrada
     na semente
  Severino não tinha terra
     só tinha chão
   a terra estava enraizada
     no chão
   Severino não tinha terra
     só tinha um jardim
   a terra não existia
     no jardim
   Severino não tinha terra
     só tinha o fruto do cachimbeiro
  e todo dia
        fosse dia santo
  fosse dia branco
        dia de sossego
   dia de fumo
  ele cumpria a obrigação
      de plantar
  um poema.

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