Severino não tinha terra
[apesar das folhas dos cabelos
à planta dos pés
ter germinado nas inflorescências
das mãos.
seus olhos
eram o cume das mãos.
na janela da boca
Severino tecia uma cordilheira
e assentava um continente
de plantação rasteira e arbustos baixos,
inflado pelo voo grunhido das garças
e pelas pernas plásticas dos flamingos,
todos unidos pelas cortinas que formavam sua dentição
amarelada pelo cachimbo,
de nó e osso,
enrolado na corda.
e toda noite
fosse dia santo
fosse dia branco
dia de sossego
dia de fumo
ele cumpria a obrigação
de comer o fruto
do cachimbeiro
e esquecer o caroço,
como a noz
dos esquilos que habitavam
entre as pernas
das garças.
aguado
pela deslembrança,
o caroço
era como a consciência:
um germe
que roi
por dentro.
o esquilo
roendo a noz
achara
o regador
no lobo temporal da casca:
chuva na memória.
na boca da janela,
Severino tinha um pé de feijão
um pé de uva
um pé de mesa
um bonsai
(e ficava
mais novo
a cada poda)
e ficava mais velho
a cada corda.
Severino não tinha mais fôlego:
seu pulmão estava enterrado
junto com a noz
do esquilo
na cúpula
do cachimbo.
Severino não tinha terra
só tinha húmus
a terra estava enterrada
no húmus
Severino não tinha terra
só tinha semente
a terra estava aterrada
na semente
Severino não tinha terra
só tinha chão
a terra estava enraizada
no chão
Severino não tinha terra
só tinha um jardim
a terra não existia
no jardim
Severino não tinha terra
só tinha o fruto do cachimbeiro
e todo dia
fosse dia santo
fosse dia branco
dia de sossego
dia de fumo
ele cumpria a obrigação
de plantar
um poema.
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