terça-feira, 30 de outubro de 2012

Poética do Espaço

o espaço cabe.

                  coube entre as [janelas]

                       da jardinaria
                       (a chapelaria
                       dos olhos).

                       coube entre
                       os cabelos
                       os dedos.

os espaços.

o espaço
                       recheou
                       os módulos
                       as coxas
                       o pão.
    a equação.

como somos
               XespaçoYespaçoZ

o espaço do ventre
     da genética
coube no
     umbigo
da poética

(não a aristotélica
           cabeceira
     mas a megapixel
            da galáxia)

    ca               tas               tro               fis               mos

                                que deram origem
                                                           à origem
couberam
                                                          e
                                                                                                        cabem
no espaço de uma teoria

tão
                 ou 
                                            mais
       ca-tas-tró-fi-ca
   que-a-própria
              pá   lavra.

               .                                .                                  .
  o                             é seresta
     eco              espaço            às
           no         do                    e s t r e l a s
                vácuo

                                                       onde a cadência
                                          é o espaço 
                     entre o frisson
               e o sacro
e o frisson
                 é o que mora
                                      entre os objetos
                                                               de encaixe

(é como segurar
uma banana
entre as mãos).

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Térreocídio.

  aqui:
 o açúcar branco
   a gaveta aberta
 o espasmo cívico
     o espelho.
 a crueza muda
   a crendice crua
 o esboço reto
              a exclamação.

  aqui
 os clássicos
    não podem
    não cabem
    não cospem
 nessa questão:
              a lápide.
              
              dúvida

       [por isso
 a questão
    de fazer
          pedra
       [o franzir.

              a pêra
 fruto 
da bandeira
        é pedra
     fria
azeda
      [e o duro
    que passa
      espera
      esparsa
      espreme
  e sai
    maçã
[mais clichê
  que furtiva:
              a página.
  a cura
      [aos ditados
   seria
      doer
      amar
      virar
        a página
 e a pêra
     [bandeira
   clara
   como clichê
seria seiva
  pro
     branco:
                         a palavra
              pedra
              quero dizer
              página
              então
       lápide.

sábado, 14 de julho de 2012

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Cisterna

Eu sempre quis saber (ou qualquer outro verbo irregular terminado em ER) o que era um relicário. Re-li-cá-ri-o... parece nome de lanchonete! E a Moça trabalhava numa que vendia aquele salgado que parece uma lua folhada. Era de uma curiosidade a gosto.

- Um croissant, por favor.

Caminhava até o balcão  e dizia:

- Um croasson... crois... cro... um número 13 para a mesa 7, por favor.

Ah, mas a Moça era persistente como chuva! Sem torrência, violência ou rancor: como chuva.

Eu tinha uma certa ideologia em comer produtos amanteigados. Visto que manteiga é a malemolência da língua dentro dos olhos, a Revolução Biliar cedo ou cedo seria deflagrada.

Esperei um espasmo da boca e marchei, solene, em rumo à trincheira. "Lanches Relicário". Será? Devia ser só um nome da nomenologia cabalística. Entrei. Tudo era réstia de guerra na baía.

- O Senh...
- Moça!
- Moço...
- Moça...

Foi como descarrilhar o coturno. Seus olhos cremosos me cremaram qual um pedido de Buda. Suas esguias mãos guiaram o lápis pelo caderninho personalizado com um verso de Quintana: "Quem faz um poema salva um afogado."

- Um croissant, por favor.

Caminhou até o balcão e disse:

- Um croasson... crois... cro... um número 13 para a mesa 7, por favor.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Modo de produção

Severino não tinha terra
  [apesar das folhas dos cabelos
     à planta dos pés
  ter germinado nas inflorescências
    das mãos.
 seus olhos
   eram o cume das mãos.
 na janela da boca
Severino tecia uma cordilheira
 e assentava um continente
de plantação rasteira e arbustos baixos,
  inflado pelo voo grunhido das garças
 e pelas pernas plásticas dos flamingos,
         todos unidos pelas cortinas que formavam sua dentição
 amarelada pelo cachimbo,
   de nó e osso,
 enrolado na corda.
    e toda noite
  fosse dia santo
    fosse dia branco
  dia de sossego
    dia de fumo
 ele cumpria a obrigação
  de comer o fruto
 do cachimbeiro
      e esquecer o caroço,
  como a noz
 dos esquilos que habitavam
   entre as pernas
das garças.
  aguado
 pela deslembrança,
    o caroço
  era como a consciência:
  um germe
   que roi
 por dentro.
o esquilo
  roendo a noz
 achara
    o regador
  no lobo temporal da casca:
                                         chuva na memória.
    na boca da janela,
   Severino tinha um pé de feijão
    um pé de uva
    um pé de mesa
    um bonsai
 (e ficava
   mais novo
  a cada poda)
 e ficava mais velho
 a cada corda.

  Severino não tinha mais fôlego:
     seu pulmão estava enterrado
   junto com a noz
 do esquilo
   na cúpula
 do cachimbo.
  Severino não tinha terra
     só tinha húmus
   a terra estava enterrada
     no húmus
  Severino não tinha terra
     só tinha semente
   a terra estava aterrada
     na semente
  Severino não tinha terra
     só tinha chão
   a terra estava enraizada
     no chão
   Severino não tinha terra
     só tinha um jardim
   a terra não existia
     no jardim
   Severino não tinha terra
     só tinha o fruto do cachimbeiro
  e todo dia
        fosse dia santo
  fosse dia branco
        dia de sossego
   dia de fumo
  ele cumpria a obrigação
      de plantar
  um poema.

sábado, 9 de junho de 2012

Retalho

"Queria que você descobrisse um [       ], que deixei pra ti num lugar óbvio, mas sei que isso não acontecerá sem eu te dizer que existe um [       ] meu pra ti num lugar óbvio."

Óbvio:
perigo
sem
parênteses
  [E de perigoso
não abre 
 guarda
(chuva).

E onde dá

será
que na pedra
onde ecoa
o recital
que bate o barco
e você entra
pra se ouvir
naufragando,
incólume,
abissal,
dentro dum frasco
feito
de elixir?

se for elixir
dá pra beber
ou dá pra dançar
que nem curumim
e o cálice
em vidro
se desfazer
[e se
fractalizar
em mim?

dá pra beber
pingando
nos olhos.
e no atalho,
ardil
como a malaca,
o choro
foi preso:
abrolhos
tombando
mais um dia
de ressaca

pois então
que se descobre
transplantada
nos tapetes
a colcha
com que se cobre
o encoberto
nos
[       ]

Manifestorre I

No corrimão
gotejava sal
na cúpula
espalhava sal
no pavimento
sanfonava sal

no salão principal,
sal na boca dos Beats
na barba dos Storms
na cabeça branca
das gerações.


no palco,
cardápio:
uma salada de sal
à lingua
do ouvido
  [com direito
a sanfoneiro

como tira-gosto, o amante de Carla
molha no rosê
As Vitrines:
sal na poesia dos outros é afresco.

acompanhamento
com os miolos a dez metros de distância
e Dois Riachos de sal
interpretando Leal
cansa
e dança
um chamego
Silvana.

Pediram uma Coroada
em Conchas de sal:
Adélia Floresceu
na boca
do cachorro.

Mas Tivemos Uma Surpresa!

falando de jogos
Gol de Lo Coco!
(e põe sal no placar)

assoviando alto
e levantando o braço,
escrevia  Jordão, no ar, para os serventes
Sombras
e Solares
salgados como seu GRITO!

os servidos, então,
aplaudiram
a conta
salgada.
de cortesia,
dois cafés:
um feito na Panela
e outro coado
na viola
de Leonel.



Este escrito tem uma designação especial ao primeiro dia do I Festival Internacional de Poesia do Recife, permeado pelo experimentalismo salino fundamental de Biagio Pecorelli, marco-inspirador do poema.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Samba-enredo

Via-se prenhe em um relicário
espinhoso que enfeitava a cintura
um ramalhete de ossos: santuário
de um mantra selado à ventura

fotografia.

e nas faíscas da miragem
no deserto de seus quadris
pincelava-se a imagem
de embriagados pueris

pecado.

entre seus saracoteados
a orquestra dita a sinfonia
de olhos vilmente airados
a clamarem pela ventania

pra levar o seu vestido
junto a todas as janelas
e no meio do alarido
florearem as macelas

caligrafia.

passarinhava um canário
no seu jardim da gaveta
que assoviou o cenário
do código da silhueta.

Ciência do maldito

com Anna Carolina
 

por que não dar um porre
ficar bêbado
de vinho-tinta
inebriar o poeta
e vomitar o profeta
que(r) jazz na arte que pinta?

poeta é balão
de ar quente
que deixa rastro
eólico
pelas terras marítim(ic)as
de um quântico verso
líríco qual universo
Tártaro como o Elísio

poeta é Karamazov
é protótipo de Édipo
é Ham(let) aos famintos
é Palhaço ao poço
é... a gente quer valer
o pão de nó e osso
atalhado pela navalha
dos dias
das disritmias
no espelho debaixo do tapete

poeta é o chão esquecido
e os pés que dançam sobre o ar
é o interior revolvido do poema
e a onda que desfaz o mar
(dentro dos olhos
antes de chorar)

poeta é sazonal
feito de alma em mobral
e diz: rima acidental

Pra começar a estrofe diferente
sem o poeta, que se faz gente
e nem por isso deixa de ser poeta.

E sê-lo não o faz profeta
talvez um pouco mais poeta
repetindo-se na rima falha

Poeta não se alimenta de migalha
da alma de ninguém
e muito menos retém
o que a sua pode dar

poeta é armadilha...